O artista Martinho
Costa (1977) apresenta na Galeria 111, em Lisboa, as suas mais recentes
pinturas na exposição intitulada Layer 0. Por esta ocasião o pintor
brinda-nos com estranhas e encriptadas imagens pictóricas. A pintura realista,
que o artista nos habitou no passado, está agora imersa num ludibriante e
meticuloso processo digital que constrói uma realidade indecifrável. Ao
adicionar esta ferramenta de tratamento de imagens digitais (Photoshop™) o
pintor reage, numa primeira instância, às premissas de construção de qualquer
imagem, nomeadamente, sobre as escolhas de cortar, colar, enquadrar, cor,
relação figura-fundo, transparências, e por aí em diante. Contudo, num segundo
momento, as escolhas não se fixam apenas no digital, aquando a passagem da
imagem para a pintura o artista continua a nomear e a escolher como fazia
anteriormente. As relações, exageradas ou atenuadas, entre os diversos
elementos que compõem a imagem continuam a ser consideradas. Estas imagens
compostas resgatam partes de uma realidade existente (fotografias de paisagens,
pessoas, objectos, etc.), mas também comportam padrões, de azulejos ou de
tijolos decorativos, que o artista produz digitalmente. A relação aleatória
entre as imagens revela a interação entre as diferentes camadas, ora se traz a
camada para primeiro plano, ora se leva a mesma para último plano. Porém, a
relação é sempre bidimensional, porque estamos na dimensão da pintura. De
facto, é aqui que reside, em grande medida, a pertinência da obra de Martinho
Costa, o olhar do espectador persiste na superfície da tela enquanto viaja
pelas diferentes imagens nas suas específicas camadas. Este olhar estabiliza um
grau diminuto de tridimensionalidade. Ao descansar na superfície plana da
pintura, o olhar vê com sentido, ou melhor dá sentido ao que vê. A presença de
pequenos restos de pintura seca que dão textura à tela não devem ser deixados
ao acaso, quase que funcionam como pontos superficiais que mantém o espectador
nesta talentosa e requintada superfície.
Conjuntamente com as
pinturas em tela, o artista pontua a exposição com pinturas em pedaços de
mármore e pequenos tijolos decorativos. Os motivos pictóricos são os mesmos que
as pinturas sobre tela e também se mantém a mesma lógica construtiva, mas o
efeito parece extrapolar as premissas iniciais. Se nas telas a imagem pictórica
indicava a construção em camadas de realidades que se sobrepunham e que
apareciam como diversas possibilidade, estas pinturas parecem edificar o
objecto, ou seja, objectivam o que já é por si um espaço tridimensional,
fazendo um efeito de entrada para uma realidade imaginária e delirante, mas
simultaneamente a película pictórica parece residir naquela bidimensionalidade
que a torna existente.
Pode-se aferir que
as imagens fragmentadas e os objectos revelam-se numa realidade arqueológica.
As imagens parecem ser resgatadas do léxico passado do próprio artista, ou
seja, conseguimos reconhecer a imagética utilizada anteriormente, bem como o
modo de pintar a que nos habituou. A fragmentação das imagens escolhidas também
aponta para uma análise arqueológica das imagens, como se fosse possível
dissecar camadas de realidades e de imagens para garantir um conhecimento mais
amplo, apesar de difuso, de uma dada realidade. Os pedaços de mármore e os
tijolos também nos remetem para essa arqueologia que vai sobressair das
diversas realidades que nos apresentam. Neste sentido, ou sentidos, o
espectador ao perder-se na superfície pictórica vai-se encontrando em pequenos
pormenores e vestígios que lhe são familiares, como se algo estranhamente
familiar se apresentasse perante si.
Hugo Dinis